Casa Pia: Arguidos e vítimas juntos no mesmo diagnóstico ao fim de cinco anos de julgamento
Vidas destruídas: é aquilo em que vítimas e arguidos do processo Casa Pia podem concordar no balanço de um julgamento que faz na quarta-feira cinco anos.
As histórias dos jovens que acusam os arguidos de abusos sexuais não foram ouvidas em directo pela comunicação social, porque as sessões em que foram ouvidos decorreram à porta fechada.
Foi pela boca do procurador do Ministério Público, João Aibéo, e do advogado que representa os assistentes (as vítimas) e a Casa Pia (também assistente), Miguel Matias, que se ficaram a conhecer os percursos de vida – alguns dos quais redundaram em toxicodependência, crime, problemas emocionais, tentativas de suicídio – dos jovens que afirmam ter sido abusados.
À partida, todos tinham já percursos de vida pouco invejáveis. Rejeição familiar, pobreza, falta de laços afectivos e comportamentos criminais são traços recorrentes em muitos dos jovens, atestados por psicólogos e peritos que elaboraram os seus perfis.
Quanto aos arguidos, alguns deles figuras públicas, viram as suas vidas, movimentos e, em alguns casos, intimidade e perfil mental dissecados ao longo de cinco anos, em que apresentaram reconstituições – quase ao minuto – dos passos que deram e dos locais em que estiveram nas datas em que são acusados de ter cometido abusos sexuais.
Carlos Silvino, o ex-motorista da Casa Pia que é também o principal arguido, confessou a maior parte dos crimes de que é acusado, implicando também os outros arguidos, e viu a sua própria defesa dizer que é “um desgraçado” e um “homem marcado” a quem só resta uma eventual pena pela qual “nunca mais saia da prisão” ou uma pena suspensa que tenha em conta a confissão e o arrependimento que manifestou.
O ex-provedor-adjunto da Casa Pia Manuel Abrantes afirmou, nas suas declarações finais, que há sete anos vive “um inferno”. Agora reformado, Manuel Abrantes recordou ter sido também aluno da Casa Pia e lamentou que os assistentes “não tenham tido sorte na vida” e que “se tenham destruído” a si e a eles próprios.
O apresentador de televisão Carlos Cruz, hoje também reformado, insistiu na sua sexualidade sem tendência quer para a homossexualidade quer para a pedofilia. Nos últimos cinco anos, escreveu um livro sobre a experiência na prisão e, tirando as reprises da RTP Memória, desapareceu dos écrãs, onde fez carreira durante mais de trinta anos.
O médico Ferreira Diniz, o único arguido que hoje ainda mantém a sua profissão, manifestou “grande indignação” pelo seu envolvimento no caso, falando nas consequências para a sua família – “gozados e apontados na rua” – e afirmando que “nunca perdoará” a comunicação social e as autoridades judiciais.
O embaixador Jorge Ritto afirmou que viu, desde o seu envolvimento no processo, “a vida social e profissional destruída”, repartindo as culpas entre os assistentes e a “campanha voraz” levada a cabo pela comunicação social.
Gertrudes Nunes, dona da casa de Elvas onde alegadamente ocorreram abusos, afirmou não saber “como isto chegou” a sua casa. A antiga ama da Segurança Social deixou de trabalhar e vive hoje com uma parca reforma.
Quanto ao advogado Hugo Marçal, na recta final do julgamento falou em “cancro e mágoa”, que afirma transportar “na alma” em consequência do seu envolvimento no caso, e que “nenhum psicólogo” conseguirá apagar o “sofrimento atroz” de ser arguido num dos mais complexos processos legais da História portuguesa.
APN.
Lusa/fim