Évora: Artesão que cria peças há 50 anos com ossos e cornos pensa desistir do negócio
Évora, 03 Jan (Lusa) – Depois de cinco décadas a transformar ossos e cornos em pentes, cabos de facas ou objectos de decoração, até vendidos para o estrangeiro, o artesão de Évora Francisco Charrua já só encara a actividade como uma “entretenga”.
“Isto hoje está praticamente parado. Põem-se uns cabos de corno nos canivetes e pouco mais”, conta à agência Lusa o artesão, conhecido na aldeia onde reside, Graça do Divor, como “Chico dos Cornos”, alcunha que diz não levar a mal.
Num anexo da sua casa, onde está instalada a oficina, por entre as máquinas e ferramentas antigas que já quase não têm uso, acumulam-se ossos e cornos por trabalhar de diferentes animais, como carneiros, vacas ou veados, e peças já transformadas, numa amostra de 48 anos de actividade.
Já com o irmão Manuel retirado do negócio, devido a doença, Francisco pondera seguir-lhe os passos. Mas houve tempos em que os dois artesãos não tinham “mãos a medir” para dar resposta às encomendas, vindas de todo o país e até do estrangeiro.
“Outrora, vinham emigrantes portugueses e outras pessoas do estrangeiro. Vinha o país inteiro cá buscar coisas, era do Algarve, Lisboa, Évora, de todo o lado. Chegava a fabricar, só para um cliente, 1.500 a 2.000 contos”, lembra.
Uma “correria” que, mesmo já pertencendo ao passado, faz com que ainda hoje o “Chico dos Cornos” encha o peito de orgulho para afiançar que a sua empresa é “única no mundo”, apesar de saber que existe artesanato semelhante proveniente de África e da Europa: “Mas fabricam muito menos do que nós fazíamos”.
“Em matéria de acabamentos e na maioria dos modelos, somos considerados únicos no mundo. Tenho até algumas peças com cabo de osso que são únicas”, insiste o artesão, que chegou a empregar 20 pessoas, incluindo irmãos e cunhados.
Ao todo, Francisco Charrua tinha para apresentar “à volta 500 modelos”, de entre os quais “braceletes, escravas, azeitoneiras, amuletos, botões, pentes, fivelas e também abajures para candeeiros de vários tamanhos”, além de cabos de canivetes.
Para criar as suas peças, o artesão explica que começa por cozer os cornos em água com potassa e lixívia, para os tornar “mais maleáveis e higiénicos”. Depois de secarem, os cornos são trabalhados com lixas, limas, raspadeiras e pedra de esmeril.
O interesse de “Chico dos Cornos” pelo artesanato começou com apenas oito anos, quando já fazia “tarros” e “bugigangas” para enfeitar chapéus e colares. Mais tarde, aos 21, deixou a agricultura para se dedicar a tempo inteiro àquela arte e para “fugir” ao trabalho no campo.
“O artesanato significa a necessidade e os engenhos da miséria”, diz o artesão, hoje com 70 anos, que está a pensar em desistir de vez do negócio, uma vez que não tem seguidor.
Mas, habituado àquela que é a sua “entretenga” diária e que lhe granjeou a alcunha, “Chico dos Cornos” não vai afastar-se da oficina definitivamente, preferindo encarar a arte em que se aperfeiçoou como um mero passatempo.
“Agora termino mesmo a sério. Se calhar [o artesanato] fica só como se fosse o meu ‘tabaco’, para fazer uns canivetes, e não vou passar daí”, promete.
Lusa/Tudoben