Reflexão Pastoral do Arcebispo de Évora após o debate e votação decorridos no Parlamento Português
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Que as nossas vidas e as nossas comunidades proclamem bem
alto que o Amor está vivo!
Porque nada do que é humano nos é indiferente, o debate e votação que decorreu no
Parlamento Português, no passado dia 20 do corrente mês de Fevereiro, coloca-nos perante
questões civilizacionais que a todos dizem respeito.
A nossa Fé pede-nos que saibamos dialogar com todos. Não nos cansemos de escutar, nem de
falar com discernimento, assertividade e respeito, testemunhando a arte cristã de amar e
celebrando a alegria libertadora do Evangelho, cujo fruto é sempre a Humanização.
Sabemos como a Fé Cristã procura oferecer sentido e cura para a existência humana,
sobretudo em situações-limite de sofrimento. Só o Amor alarga horizontes e o sofrimento
oferecido por Amor, num movimento oblativo e transformador, inspirado em Nosso Senhor
Jesus Cristo, vence o absurdo da dor e da morte, pois de um “porquê”, passa-se ao “por quem”
ou “com quem”.
Sem nada pretender ensinar, mas somente compartilhar, parece ser de admitir que o
verdadeiro drama, para muitas pessoas, não consiste tanto no ter que sofrer, até pelas
possibilidades que hoje felizmente os cuidados permanentes e paliativos já proporcionam, mas
reside sobretudo no ter que sofrer sozinho, sem ninguém, e muitas vezes, sem nenhuma
perspetiva que dê sentido à vida.
Assim, deve ressoar nos Cristãos, de modo renovado e incidente, o apelo a fazermo-nos
presentes e a acompanhar quem sofre. Este ministério, mais do que uma boa acção é uma boa
relação, mais do que uma ciência é uma arte que se aprende com Evangelho na escola da vida
e se vai amadurecendo dia a dia, pela escuta de quem sofre só e para quem, muitas vezes,
pedir a morte é um grito dilacerante contra o abandono à dor, e apelativo contra a dor do
abandono.
Como nos lembra o Papa Francisco, é preciso continuar a suscitar em todos os ambientes
humanos, o reconhecimento incondicional e incondicionado da Vida Humana, em todos os
seus momentos e circunstâncias, concentrando a atenção de modo especial na gravidade do
aborto e da eutanásia, sem, contudo, menosprezar os outros momentos ou aspectos da vida
(cf. EG 85).
Seja claro, que para nós Cristãos, neste mundo, por vezes, é possível curar; é sempre possível
aliviar; é sempre necessário e possível acompanhar e consolar. Assim, a eutanásia ou o suicídio
assistido não são soluções para o sofrimento, mas o desrespeito pelo valor supremo da vida
através da morte provocada.
Também a distanásia, obstinação terapêutica, recurso a meios desproporcionados e sem
efeitos práticos para prolongar a vida vegetativa, não deve ser posta em prática, pois prolonga
de forma artificial e penosa a vida.
Cristãmente, só faz sentido a ortotanásia ou morte natural, dando meios ao doente para viver
até ao fim com dignidade. Por isso, aliviar a dor através de cuidados continuados e paliativos,
acessíveis a todos, é um dever e um direito, a que a sociedade e o poder constituído
deveríamos estar mais atentos.
Que nós Cristãos saibamos ler os sinais do nosso tempo e, com Cristo, caminhemos ao ritmo
do coração e dos passos dos mais frágeis, fazendo-nos samaritanos e próximos de todos. Que
cada uma das nossas comunidades cristãs despertem para a procura e o acolhimento de todos
os fragilizados, sobretudo os doentes, os mais idosos, as pessoas com deficiência e os sós.
Continuemos afincadamente a trabalhar pela promoção e defesa do valor inalienável da vida
humana.
Não deixemos morrer a Esperança que levamos em nós e que a Humanidade tem direito de
descobrir em nós. Afinal, somos Sinal do Amor de Deus para os Homens de hoje. Que as nossas
vidas e as nossas comunidades proclamem bem alto que o Amor está vivo!