Beja: Festival Terras sem Sombra | Concerto em Vila de Frades

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Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho:

dois pianos entre a tradição e a vanguarda

O Festival Terras sem Sombra tem vindo a caracterizar-se, em 2011, pela aposta no diálogo entre as grandes páginas da tradição musical e a criação contemporânea, trazendo compositores e intérpretes de renome internacional a alguns dos mais belos monumentos da Diocese de Beja. O facto de ser um festival itinerante e apresentar uma programação inovadora, sob a direcção artística de Paolo Pinamonti, torna-o uma experiência cada vez mais intensa e participada. Testemunho disso é o público que enche as igrejas alentejanas – maioritariamente pessoas da região, mas também numerosos espectadores da Grande Lisboa, do Algarve e de Espanha.

A ligação da música ao património religioso e à salvaguarda da biodiversidade encontra-se bem patente no concerto que terá lugar, a 28 de Maio, pelas 21h30, na igreja matriz de São Cucufate, em Vila de Frades (Vidigueira), peça importante da arquitectura barroca do Baixo Alentejo, que remonta à transição do século XVII para o XVIII. Tanto a aura espiritual como a carga histórica e as invulgares capacidades acústicas fazem deste monumento o cenário ideal para um programa de excepção, intitulado “Diálogos”, que põe lado a lado dois pianistas, Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho, dois violinistas, Adolfo R. Carbajal e David Ascensão, e dois violoncelistas, Nuno Abreu e Teresa Valente.

Na ordem do dia destaca-se a estreia, em Portugal e Espanha, de Ligatura – Message to  Frances-Marie (1989), de György Kurtág, um dos mestres da vanguarda, senhor de uma musicalidade íntima e sedutora, ainda pouco conhecida no nosso país, apesar da sua longa e premiada carreira internacional. Pertencem-lhe também as Transcrições para dois pianos de J. S. Bach, outra referência no encontro da tradição e da contemporaneidade. Visions de l’Amen (1941), uma das obras mais famosas de Olivier Messiaen, escrita durante a II Guerra Mundial, quando o autor esteve preso num campo de prisioneiros de guerra na Silésia, completa a ligação entre o passado e o presente, a arte e a vida, a matéria e o espírito.

Kurtág e Messiaen, duas faces do século XX

Compositor de origem romena naturalizado húngaro (n. Logoy, 1926), György Kurtág formou-se em Budapeste, dentro dos cânones clássicos. Em 1957, quando a liberdade criativa começou a ser perseguida pelo regime, fixou-se em Paris, onde trabalhou com Darius Milhaud, Olivier Messiaen e Max Deutsch. A sua obra, quase toda constituída por música de câmara, desenvolve uma estética marcadamente serial, livre e muito própria, em que é patente o eco do estilo e da poética de autores-chave do Modernismo europeu, como o austríaco Anton Webern. Mas, acima de tudo, traduz a veemência e a profundidade do “pensamento em acção”.

Quanto a Olivier Messiaen (Avinhão, 1908 – Glichy, 1992), perseguiu, ao longo de uma carreira fecunda, o intuito de “re-humanizar a música”. As suas composições são inspiradas em símbolos teológicos, que traduzem ritmos e modos indianos, e nos cantos dos pássaros, que catalogou e investigou a fundo. Este aspecto dualista resulta da confluência de uma inspiração baseada nos textos bíblicos e das novas perspectivas da escrita serial, a que deu uma orientação deveras pessoal, escrevendo algumas das mais brilhantes e originais páginas da música contemporânea. A “teologia musical” une-se aqui ao bater do coração do mundo.

Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho, vultos da nova pianística ibérica

Natural de Legazpia (Guipúzcoa), Marta Zabaleta iniciou os estudos musicais com Arantxa Rodríguez, prosseguindo-os em San Sebastián com J. A. Medina. Posteriormente, fixou-se em Paris, onde trabalhou com Dominique Merlet. Finalizada a etapa francesa, ingressou na Escola Superior de Música Rainha Sofia para continuar os estudos com Dimitri Bashkirov, A. Pouvsun e Galina Eguiazarova. Mais tarde especializou-se em repertório espanhol com Alicia de Larrocha e T. Montenys, na Academia Marshall, de Barcelona.

Como solista, estreou o concerto para piano e orquestra “Hitzaurre-bi”, de Ramón Lazkano, no Festival de Estrasburgo e no Festival de Música Contemporânea de Alicante, e o “Libro para Piano”, de Francisco González Pastor, no Festival Internacional de Santander, obtendo enorme êxito junto da crítica e do público. Tem gravado para as etiquetas EMI, CLAVES, RTVE e BBK. Actualmente concilia a carreira de intérprete com a docência no Centro Superior de Música do País Basco, Musikene.

Miguel Borges Coelho nasceu no Porto em 1971. Iniciou o estudo do piano com Amélia Vilar, prosseguindo a formação no Conservatório da cidade natal com Isabel Rocha. Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian estudou na Hochschule für Musik de Freiburg im Breisgau, com Vitalij Margulis, e na Escuela Superior de Musica Escola Superior de Música Reina Sofia, com Bashkirov e Egyazarova.

Foi solista de orquestras de referência, como as de Câmara de Praga, Clássica da Madeira, Gulbenkian, Metropolitana de Lisboa, Nacional do Porto, Sinfónica Portuguesa e Sinfonieta de Lisboa. Fez a estreia mundial de “Música Festiva n.º 18”, de Fernando Lopes-Graça, e de “In Memoriam Jorge Peixinho”, de João Pedro Oliveira. A sua discografia inclui obras de Peixinho, Weinberg e Ernest Bloch. É professor de Piano na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto.

Adolfo R. Carbajal, David Ascensão, Nuno Abreu e Teresa Valente são jovens intérpretes, com percurso já firmados na cena musical ibérica, cuja actuação em Vila de Frades se insere no propósito de afirmação de novos valores profissionais europeus que constitui uma das “marcas” do Festival Terras sem Sombra.

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