Gastronomia: Slow Food Alentejo “educa” paladar de crianças de Évora com “iguarias” tradicionais
Évora – A tiborna, pão saído do forno regado com azeite e polvilhado com ingredientes salgados ou doces, é uma das receitas do “antigamente” com que o Slow Food Alentejo “educa” o paladar dos mais novos numa aldeia de Évora.
O projecto, único no país, chama-se “Educação do Gosto” e decorre na freguesia rural de Canaviais (Évora), envolvendo idosos e alunos do ensino básico, numa iniciativa do núcleo (ou “convivium”) do Alentejo do Slow Food.
Este movimento internacional, surgido em Itália, em 1986, combate a massificação gastronómica e a comida de plástico (“fast food”), promovendo antes os sabores e tradições culinárias regionais, em “risco de extinção”.
“Queremos que os miúdos voltem a comer aquilo que os seus antepassados comiam e que tenham orgulho”, frisou à agência Lusa Victor Lamberto, líder do Slow Food Alentejo, que este domingo organiza, em Évora, um encontro nacional.
O núcleo, criado em 2000, é das poucas estruturas locais do movimento que têm “vingado” em Portugal e escolheu os Canaviais para a “Educação do Gosto” por ser uma comunidade “muito interessante”.
“Está na transição entre o rural e o urbano, tem alentejanos de todo o lado, não alentejanos e muitos idosos ansiosos por se sentirem úteis e transmitirem aos mais novos o que se comia e como se fazia”, explicou.
De “pequenino” é que se “educa” o gosto e, ao longo do projecto, os alunos vão contactar com “saberes transmitidos pelos mais velhos” e participar em diversas actividades.
“Vão recolher receitas, ter workshops com ´chefs´ de cozinha, visitar lagares, para verem como se faz o azeite, e moinhos, para aprenderem como se faz o pão”, enumerou Victor Lamberto, defendendo: “A melhor maneira de alterar a dieta em casa é através dos miúdos”.
Uma das receitas antigas é a tiborna, apresentada esta semana às crianças e a que muitas, primeiro, “torceram o nariz”, mas que agradou ao paladar, após a primeira dentada.
“Estive a comer pão com mel e açúcar. É bom”, opinou à Lusa Diogo, de nove anos, enquanto acabava de mastigar o último naco de tiborna doce.
Tal como o colega, Carolina Amaro, de nove anos, não fixou o nome complicado do que comeu, mas insistiu que “era bom”, até porque aprecia os pratos alentejanos cozinhados pela mãe, sobretudo a açorda.
“Gosto também de hambúrguer, mas gosto mais deste pão”, comparou, corroborada por Catarina Frango, da mesma idade, que elogiou a sopa da panela e a açorda da avó e comeu “três vezes” a tiborna, adepta que é das “coisas típicas”.
Aos 69 anos, Joaquim Machorrinho não resistiu à iniciativa e, com visível gosto, recordou o sabor do “petisco”, embora no seu tempo o pão fosse só regado com azeite: “Não havia ‘vagar’ para mel, nem para canela, eram luxos”.
Defensor da filosofia Slow Food de privilegiar os produtos locais e sazonais, Victor Lamberto acredita que, tal como o caracol que simboliza o movimento, aos poucos, desaparecerá o “deslumbramento” pelas tentações da globalização e, à mesa, vai voltar “o convívio e o prazer pela comida”, com alimentos “bons, limpos e justos”.
“Inovar pode ser recuperar o antigo”, afirmou, dando como exemplo a tiborna, um “sabor novo para os miúdos” e que, a par de outras “iguarias” típicas, lhe recorda uma frase de Fernando Pessoa: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
Para passar tal mensagem, precisamente, não existe melhor região em Portugal do que o Alentejo, um “tesouro” e “claramente slow”, onde “tudo se resolve à volta de um petisco”, partilhado com amigos numa taberna tradicional.
RRL.
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