Indícios de violação grave de Direitos Humanos tanto no Lar de Matosinhos como no de Reguengos de Monsaraz
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Comunicado: Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA), terminadas as averiguações e elaborados os Relatórios finais referentes ao Lar do Comércio de Matosinhos e ao Lar de Idosos de Reguengos de Monsaraz (ver anexos), concluiu que em ambos os casos se terão verificado indícios de violação grave dos Direitos Humanos e dos Direitos de Liberdade e Garantias consagrados na Constituição, nomeadamente do Direito à Vida (art.º 24º), do Direito à Integridade Pessoal (art.º 25º), do Direito à Liberdade e à Segurança (art.º 27º) e do Direito à Saúde (art.º 64º). No que se refere especificamente ao Lar de Idosos de Reguengos de Monsaraz, ainda também a violação do Direito Constitucional dos Consumidores (art.º 60º).
Para a elaboração dos Relatórios agora presentes, além do estudo de documentação e testemunhos variados, nomeadamente de familiares de utentes, a CDHOA reuniu, além da Ordem dos Médicos, com a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, com a União das Misericórdias Portuguesas, com a Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos e com a Direcção-Geral de Saúde.
No que se refere ao Lar de Matosinhos, este já tinha sido objecto de um Relatório Preliminar da CDHOA, a que foi dado agora direito de contraditório.
Das várias diligências houve relato dos seguintes factos:
- ausência de informação acerca do estado (de saúde) de residentes aos seus familiares;
- inexistência de alguns equipamentos de protecção individual;
- insuficiência ou desadequação da prestação de cuidados de saúde (administração de medicação) e pessoais (alimentação e higiene);
- deficiente funcionamento geral (organização dos espaços, organização e saneamento das instalações sanitárias);
- alegada demora na testagem de todos os utentes e trabalhadores assim como a obtenção de resultados;
- falhas nos procedimentos de atuação perante um caso suspeito.
- plano de contingência existente à data de 8 de Abril de 2020 apresentando inúmeras inconformidades, não respeitando as mais basilares normas da DGS;
- incumprimento reiterado das inconformidades verificadas nas vistorias conjuntas da Proteção Civil, do Serviço Social da Câmara Municipal de Matosinhos, Unidade Local da Saúde Pública de Matosinhos e Segurança Social de Matosinhos.
No que respeita ao Lar de Reguengos de Monsaraz (Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão e Silva) foi considerado:
- falta de condições não permitiu delimitar a transmissão do vírus, com responsabilidade para a gestão do Lar;
- os doentes não foram tratados de acordo com as boas práticas clínicas, com responsabilidades para quem sabendo que não tinha os recursos humanos adequados e preparados permitiu que a situação se protelasse no tempo;
- criaram-se condições para rápida disseminação com responsabilidades para quem geria o espaço, o processo de rastreio epidemiológico e a aplicação das normas da DGS;
- desorganização e consequente prejuízo para o doentes atribuível à Autoridade de Saúde e à ARS Alentejo;
- os responsáveis, que foram alertados pelos profissionais, não agiram atempadamente e em conformidade, mantendo os doentes em circunstâncias penosas e facilitando o crescimento do surto, antes da transferência para o pavilhão;
- a instituição não cumpriu as regras estabelecidas e não teve assim condições para enfrentar com rigor o surto;
- decisão de transferir todos os infectados para um “alojamento sanitário” no pavilhão: medida tardia quando era fácil ter sido tomada de imediato no início do surto;
- mesmo em melhores condições, a falta de gestão e coordenação continuou a impedir que os doentes, os profissionais e os voluntários estivessem em ambiente seguro, responsabilidade que pode ser atribuível, mais uma vez, à ARS Alentejo e à Autoridade de Saúde;
- os responsáveis do pavilhão sempre exigiram a presença de médicos e enfermeiros em permanência nas instalações, assumindo dessa forma a gravidade clínica da situação e consequente desvio de profissionais de saúde dos seus locais habituais de trabalho, não se compreendendo a manutenção dos doentes num local inapropriado para a realização de cuidados diferenciados;
Tendo a CDHOA por objetivo a averiguação e promoção dos Direitos Humanos no âmbito da defesa do Estado de Direito que estatutariamente está atribuída à Ordem dos Advogados, compete agora aos Tribunais determinar a validade das conclusões que agora se apresentam e aplicar as eventuais sanções. E ainda estipular as indemnizações a lesados que se venham a apurar.
Perante as conclusões a que chegou a CDHOA nestes dois casos, e perante o constante anúncio de sucessivos novos surtos nos Lares Portugueses, a Ordem dos Advogados apela a todos os órgãos de soberania para que tomem urgentemente as medidas necessárias para evitar que situações desta natureza se repitam. É dever do Estado proteger a saúde pública e esse dever ganha especial intensidade quando estão em causa pessoas especialmente vulneráveis, como é o caso dos idosos nos lares, que têm por isso que ser objecto de medidas especiais de protecção.