Início de mais uma época de caça insustentável
No próximo domingo, dia 17 de agosto, abre mais uma época venatória. O setor da caça e a tutela mantêm práticas ultrapassadas e nocivas para a caça e para o ambiente, colocando em causa o interesse público e o futuro da atividade cinegética. A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves – SPEA – pede aos caçadores maior rigor e responsabilidade na prática e gestão da caça e pede ainda a todos os cidadãos que manifestem a sua indignação perante esta situação.
A SPEA entende que a caça é um recurso natural, que gerido de uma forma responsável pode gerar benefícios económicos e sociais. A gestão da caça é muito importante para a protecção das aves e dos seus habitats. Neste sentido, a SPEA tem alertado e pressionado o Ministério da Agricultura e do Mar – MAM – para uma mudança na legislação que possibilite uma prática de uma caça mais responsavel.
A legislação da caça em Portugal permite uma série de práticas nocivas, que ameaçam as espécies, o ambiente e até a saúde humana:
• Portugal é dos poucos países europeus onde ainda é possível caçar com munições de chumbo. Este metal tóxico contamina a água, os solos, as aves aquáticas e as pessoas que consomem essa caça. Atualmente a proibição da utilização de munições de chumbo vigora apenas nas zonas húmidas dentro de áreas protegidas. No restante território, os caçadores continuam legalmente a contaminar albufeiras, açudes, rios e ribeiras, numa prática que não é digna duma sociedade informada;
• Continua a ser possível abater espécies de patos com populações invernantes diminutas (menos de 1000 indivíduos), como o zarro e a negrinha, e outras espécies cujas populações residentes estão ameaçadas de extinção, como a frisada e o pato-trombeteiro;
• Quanto às aves migradoras, em Portugal é permitido abater espécies que se encontram em decréscimo acentuado, como a narceja, a rola-brava e o estorninho-malhado, todas com mais de 50% de diminuição de efectivos na Europa nos últimos trinta anos;
• O caso mais dramático é o da rola-brava, uma espécie, cujas populações europeias diminuíram 74% desde 1980, e que enfrenta um sério risco de extinção em vários países da Europa. Em Portugal, a rola-brava pode ser caçada durante seis semanas e cada caçador pode matar seis aves por dia de caça, num total superior a 150000 rolas abatidas por época. Isto pode simplesmente significar o colapso da espécie, se nada for feito;
• A gestão das zonas de caça continua a ser feita sem ter em conta os parâmetros populacionais das espécies e as suas taxas de reprodução. Abatem-se indivíduos em demasia, não permitindo a recuperação natural e motivando o recurso sistemático aos repovoamentos com animais de cativeiro. Na maioria das zonas de caça pratica-se uma espécie de avicultura, com abate no campo;
• Também o controle de predadores deixou de ser uma medida extraordinária. Todas as zonas de caça o praticam, sem saber ao certo se as populações de raposas e de saca-rabos tem algum impacto negativo sobre as espécies cinegéticas, e se a implementacao desta medida traz de facto algum beneficio;
• Os gestores de caça continuam a não ser responsáveis pelos crimes contra a natureza cometidos dentro das suas propriedades, muitas vezes vedadas ao público. Os casos conhecidos de espécies protegidas mortas a tiro, em armadilhas ou envenenadas são graves, preocupantes e terminaram invariavelmente sem consequências para a zona de caça;
• Em Portugal as decisões em matéria de gestão cinegética estão a ser tomadas com base numa lei da caça obsoleta. O nosso país passou à margem da iniciativa europeia para a Caça Sustentável. O MAM insiste em tomar decisões sobre gestão da caça sem considerar o estado das populações em Portugal e na Europa e sem tornar pública qualquer estatística de abate.
No próximo domingo abre mais uma época venatória, em que serão permitidas estas práticas nocivas. A SPEA apela aos caçadores, gestores de zonas de caça e aos cidadãos que façam a sua parte e que sejam mais responsáveis do que a própria lei. Na opinião de Domingos Leitão, Coordenador do Departamento Terrestre da SPEA, “os caçadores e suas associações devem ser os primeiros a não utilizar cartuchos com chumbo em qualquer zona húmida e podem, voluntariamente, abster-se de caçar a rola-brava. Os bons gestores de caça fazem bem em identificar e proteger as espécies ameaçadas que dependem das suas áreas, contribuindo para a qualidade dos produtos e serviços que vendem.”
Domingos Leitão alerta ainda que “todos os cidadãos devem denunciar junto do SEPNA os crimes de caça que detetarem e devem manifestar a sua indignação junto da Ministra da Agricultura e do Mar, por exemplo, assinado a petição pública actualmente on-line.”
A SPEA acredita que só com a eliminação das actuais práticas nocivas e com uma gestão responsável da caça será possível garantir a sustentabilidade deste recurso a médio/longo prazo.