Praxe: Acções de solidariedade ou manobras de marketing na recepção aos caloiros
Acções de solidariedade entraram nas praxes académicas, com os caloiros chamados a doar medula, limpar matas e praias ou correr para fins de beneficência, mas para quem se opõe a esta tradição tudo não passa de marketing.
“É marketing. Na praxe nada é discutido, há uns que estão trajados de negro e mandam os outros fazer o que lhes passa pela cabeça e isso tanto pode ser uma acção de ‘caridade’ como simular actos sexuais”, realça Ricardo Alves, do Movimento Anti-Tradição Académica (MATA).
Na Faculdade de Medicina de Lisboa promove-se a chamada “praxe solidária”, que convida os novos alunos a serem dadores de medula; no Instituto Português da Administração e Marketing de Lisboa aposta-se na limpeza da praia e em aulas de surf; e no Politécnico de Bragança chamam-se os caloiros para uma corrida destinada a angariar bens alimentares.
Para Ricardo Alves, chamar praxe a estas acções é até “um pouco sem sentido” e o objectivo é “uma limpeza da imagem”, à semelhança das empresas cuja actividade tem efeitos nefastos no ambiente e que depois criam fundos em prol da natureza.
Além do mais, houve um severo aviso do ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, de que não iria tolerar abusos nas praxes. Este ano foram cinco as queixas remetidas ao gabinete do governante, das quais quatro seguiram para o Ministério Público.
“Não faz sentido chamar praxe a uma acção de caridade igual a tantas outras que existem”, diz o dirigente do MATA, lembrando que no ano passado, em Évora, se promoveu a limpeza de uma mata, mas “quem limpava eram os caloiros, os outros ficavam a olhar”.
Tantas vezes noticiadas pelos piores motivos, as praxes são agora divulgadas como algo nobre, em que os jovens estudantes são instigados a ajudar o próximo.
Ricardo Alves considera que as acções, em si, são de louvar, o problema é o meio utilizado para as concretizar: “É um bocado ser voluntário à força, é um pouco antagónico.”
Ninguém se sente obrigado a fazer uma acção de caridade desde que lhe expliquem porquê, mas na praxe “nada é discutido”, sublinha.
“Não me parece que haja um debate sobre os motivos de haver tanta gente a passar fome. Essa parte mais importante não é discutida”, exemplifica.
“A praxe tem subjacente um princípio errado à partida, que é a imposição: agora fazes isto, porque me apetece”, descreve.
Ricardo Alves considera que há hipocrisia nestas acções e que a praxe não é um princípio correcto para “pessoas novas, a entrar na idade adulta e sem a personalidade ainda completamente formada”, defendendo que os caloiros deviam ser recebidos com actividades culturais e desportivas, com cariz de integração.
No Porto, realiza-se o Dia da Beneficência duas vezes por ano, na Semana do Caloiro e na Queima das Fitas, com a participação de estudantes envolvidos ou não nas praxes.
Trata-se de um peditório feito pelas ruas da cidade a favor de instituições de solidariedade social, que demonstra o “papel social que os estudantes assumem”, disse à Lusa o presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ricardo Rocha.
Realizado “há mais de 10/15 anos”, o último Dia de Beneficência da FAP, realizado a 19 de Outubro, envolveu “três centenas” de estudantes e rendeu “à volta de dois mil euros”, adiantou Ricardo Rocha, acrescentando que o dinheiro será entregue no final desta semana à associação Trim-Trim, de Gaia, que presta apoio a crianças através de creche, jardim de infância e ATL.
AH/FZ.
Lusa/fim.